A Venezuela está sempre disposta a dialogar com os EUA, afirma o vice-chanceler

Carlos Ron Um mês após as eleições, trazemos a visão do ministro: o diálogo deve respeitar a soberania e as instituições do país.

Os desafios da Venezuela devem ser resolvidos pelos próprios venezuelanos, e qualquer governo que queira iniciar um diálogo construtivo com Caracas deve respeitar a autonomia e as instituições do país. Essa é a perspectiva de Carlos Ron, vice-ministro das Relações Exteriores do governo de Nicolás Maduro para a América do Norte, que foi o convidado desta semana no Brasil de Fato Entrevista.

“A linha de comunicação está sempre aberta por parte da Venezuela. Sempre. Mesmo com todas as agressões, com as tentativas de golpe de Estado”, afirmou ele ao comentar a relação com os Estados Unidos, país que impôs medidas coercitivas – sanções, em termos simples – com o objetivo de pressionar o governo Maduro. Essas sanções dificultaram a venda do principal produto do país, o petróleo, desencadeando uma crise sem precedentes desde a segunda metade da última década.

Ron abordou o impacto das sanções e como o país conseguiu lidar com elas, a ponto de controlar a inflação e se tornar um dos que mais cresce na América do Sul. O vice-chanceler também comentou sobre os ativos venezuelanos confiscados no exterior, as relações do país com outras nações do Sul Global, e as tentativas do Brasil e da Colômbia de mediar a crise eleitoral que se arrasta desde a eleição presidencial de 28 de julho.

A entrevista foi gravada em 21 de agosto, um dia antes de a Justiça venezuelana confirmar a reeleição de Maduro.

Confira alguns trechos da entrevista abaixo. No vídeo acima, você pode assistir à entrevista completa:

BdF Entrevista – As sanções impostas pelos Estados Unidos estrangularam a economia da Venezuela por muito tempo, causando uma crise profunda que levou ao êxodo de muitos cidadãos. Após essas sanções quase derrubarem o governo, a administração Maduro conseguiu reverter a crise econômica, controlar a inflação e fazer da Venezuela um dos países que mais crescem na América Latina. Diante disso, o quão importante é o fim dessas sanções?

Carlos Ron – Obrigado pela oportunidade de conversar. Olha, eu acho que o nosso principal problema atualmente são essas medidas coercitivas unilaterais que os Estados Unidos estão impondo ao povo venezuelano. Essas medidas não afetam apenas algumas pessoas, não são dirigidas apenas a certas figuras, mas impactam toda a população, dificultando a prestação de serviços públicos como eletricidade e água.

Muitas das nossas obras públicas na Venezuela, por exemplo, utilizam peças que são fabricadas nos Estados Unidos ou em outros países que as sanções não permitem que recebam manutenção ou peças para reparo. Isso já cria um problema adicional, além, é claro, do problema principal, que é a indústria petrolífera venezuelana, a maior do país, e que está sendo atingida pelas sanções.

A receita do Estado, em geral, é reduzida, enquanto os problemas e demandas da sociedade permanecem os mesmos. Hoje, seria muito importante para nós termos plenas condições de desenvolvimento, o que só seria possível com a remoção dessas medidas coercitivas e ilegais. Estamos fazendo um esforço para que o impacto dessas sanções não seja tão grave para a população, buscando alternativas e alcançando um crescimento que ainda não é a estabilidade que a Venezuela tinha antes dos ataques.

Mesmo com as melhorias, se essas medidas coercitivas não existissem, poderíamos alcançar o máximo potencial do povo venezuelano, do país, do Estado venezuelano para melhorar a situação econômica e estrutural do país.

Pensando no futuro, na sua opinião, quais as chances do fim dessas medidas em um eventual governo de Kamala Harris nos EUA e em uma possível nova administração de Donald Trump?

É difícil prever, porque não sabemos o que nenhum deles pensa. Seria muito importante que os Estados Unidos abandonassem essa política de coerção contra outros Estados e adotassem o caminho da diplomacia. Nós, na verdade, temos interesse em um diálogo construtivo com os Estados Unidos, desde que seja um diálogo baseado no respeito mútuo e não em imposições ou agressões como essas.

O passado mostra que as medidas coercitivas começaram no governo Obama, e depois foram intensificadas por Trump. Governos democratas como os de Obama e Biden iniciaram essas sanções, e Trump adotou a estratégia de pressão máxima, mas no governo Biden, elas não foram retiradas. A ideia das licenças é uma forma de controlar essas sanções, mas não de removê-las, o que é um direito do povo venezuelano.

Então, não sabemos o que eles farão. A política deve mudar muito no campo eleitoral nos próximos meses. Mas, se eles voltassem a adotar a diplomacia e o relacionamento baseado no benefício mútuo, poderíamos ter um cenário diferente. Enquanto isso, continuaremos buscando nossas próprias alternativas.

Acontece algum tipo de diálogo? Existe a possibilidade hoje de diálogo com os Estados Unidos de governo para governo? Existe essa linha aberta ou não?

A linha de comunicação sempre esteve aberta por parte da Venezuela. Sempre. Mesmo com todas as agressões, com as tentativas de golpe de Estado. O presidente Maduro tem sido claro desde o início de seu governo que ele está disposto a conversar, desde que seja com respeito e reconhecendo a soberania da Venezuela, suas imposições e sua Constituição. Mas são os integrantes do governo dos Estados Unidos que têm tomado essas decisões.

Por exemplo: nós nunca interrompemos a exportação de petróleo, foram eles que decidiram impor essas medidas contra a indústria venezuelana. Nós nunca interrompemos o diálogo com eles, que adotaram ações de agressão contra a Venezuela. Então, da nossa parte, sempre houve disposição para o diálogo, mas do lado deles, não. Eles constantemente não reconhecem as instituições venezuelanas e apoiam tentativas anticonstitucionais de golpe de Estado, rebeliões e violência na Venezuela.

Esse é o caminho que eles têm escolhido. Não é o nosso caminho. Nós sempre estamos abertos a dialogar.

As empresas dos Estados Unidos ainda têm uma presença forte na Venezuela. A Chevron não apenas explora petróleo no país há 100 anos, como também tem participação em empresas mistas com a PDVSA, a estatal venezuelana do petróleo. Qual é a perspectiva para a relação entre esses dois países, Venezuela e Estados Unidos, em questões comerciais? E qual é o peso disso nas relações políticas?

Novamente, quem limita as relações comerciais com a Venezuela são os Estados Unidos, pois, como você mencionou, temos essa relação com a Chevron, uma história de mais de 100 anos de cooperação com empresas dos Estados Unidos em termos de petróleo, energia e recursos.

Quem cria obstáculos ao comércio é o próprio governo dos Estados Unidos. Nós estamos abertos. O presidente já mencionou várias vezes que qualquer pessoa interessada em investir, seja dos Estados Unidos ou de outro país, pode fazê-lo, desde que esteja disposta a seguir as normativas venezuelanas, as leis venezuelanas, e desde que o governo dos Estados Unidos não crie barreiras ao comércio.

Nossa posição é firme na defesa dos nossos direitos, do direito do povo venezuelano de escolher relações comerciais que beneficiem o próprio povo venezuelano. Mas estamos sempre abertos ao diálogo, são eles que impõem limitações.

E quanto à União Europeia? A Venezuela de Chávez chegou a fornecer petróleo em 2007 para Londres, e hoje as relações com a União Europeia estão bastante deterioradas. Quais são as chances de normalizar essas relações?

Aqui, a questão é que a Venezuela tem um processo político independente. A Venezuela decidiu seguir seu próprio caminho e não se submeter às políticas que outros países tentam impor. Quando as relações são baseadas no respeito, cooperação e solidariedade, construímos muito em conjunto.

A Venezuela não tem preconceito contra outros países, mas alguns governos, no momento, acreditam que atacar a Venezuela e não reconhecer suas instituições pode ser uma forma de apoiar os Estados Unidos e outros interesses econômicos que não buscam o bem-estar do povo venezuelano. Estamos preparados para manter relações com qualquer parte do mundo.

Se você observar, a Venezuela tem fortes relações com aliados como China, Rússia e Turquia. São relações baseadas no respeito mútuo, às leis e às instituições. E que buscam o benefício mútuo. Acreditamos que as relações internacionais devem superar a lógica de imposição ideológica e buscar o benefício mútuo para os povos.

Como você vê as tentativas de mediação do Brasil, México e Colômbia na atual crise da Venezuela?

A primeira coisa a considerar é que as eleições na Venezuela devem ser discutidas apenas entre venezuelanos. Para nós, os resultados eleitorais e a resolução desse tema devem ocorrer por meio de discussões entre os venezuelanos, pois a Venezuela é um país soberano.

Temos mecanismos suficientes, um sistema próprio para lidar com qualquer contestação ou dúvida que possa surgir no processo eleitoral. Entendemos a boa vontade de governos amigos de outros países que desejam a paz na Venezuela, assim como nós. Mas é importante lembrar que a soberania da Venezuela deve ser respeitada, e o apoio mais construtivo seria fortalecer nossas instituições.

Não podemos aceitar que as eleições de um país sejam aprovadas ou não por outros países. Para isso, existe a soberania da Justiça, o direito internacional e o respeito à autodeterminação dos povos. Isso deve ser sempre respeitado.

Após o 28 de julho, Caracas rompeu relações com alguns países da América Latina. Isso preocupa? Como ficam as relações com esses países após o anúncio oficial do resultado das eleições?

Um ponto importante nas relações entre países é o respeito. Se outros países não podem respeitar a soberania da Venezuela, sua Constituição e as instituições que ela tem, fica difícil estabelecer um relacionamento normal.

A relação que mantemos com outros países deve ser baseada no respeito mútuo. Se um país reconhecer as instituições venezuelanas, com certeza terá uma relação positiva e uma abertura da Venezuela. A partir do momento em que são adotadas medidas unilaterais e agressivas, como aconteceu com vários países que reconheceram falsos governos ou participaram de tentativas de golpe, não podemos aceitar.

Portanto, dependerá muito da vontade desses países de se relacionarem com a Venezuela com base no respeito mútuo. Estamos sempre dispostos a construir novas relações que busquem o benefício mútuo, mas sem jamais subordinar nossos princípios e nossa soberania.

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