A crescente tensão entre o governo dos Estados Unidos, liderado por Donald Trump, e países da América Latina abre caminho para um maior protagonismo da China na região. Especialistas apontam que a resposta agressiva de Trump a questões diplomáticas e comerciais tem levado líderes latino-americanos a buscarem alternativas de aliança, beneficiando diretamente Pequim.
Recentemente, a relação entre EUA e Colômbia ficou estremecida depois que o presidente colombiano, Gustavo Petro, impediu o pouso de aviões militares americanos transportando migrantes deportados. Como retaliação, Trump anunciou tarifas de 25% sobre produtos colombianos, ameaçando dobrá-las em uma semana. Washington também cogitou sanções financeiras contra o país. O impasse foi resolvido, mas não sem desgastar ainda mais as relações diplomáticas.
Outras nações latino-americanas também demonstraram insatisfação com a política migratória americana. O Brasil convocou um representante dos EUA para esclarecer o uso de algemas em deportados. No Haiti, o líder transitório Leslie Voltaire classificou as decisões do governo Trump como “catastróficas”.
Diante desse cenário, a China tem se apresentado como um parceiro mais previsível e confiável. Durante a crise entre EUA e Colômbia, o embaixador chinês em Bogotá, Zhu Jingyang, destacou o fortalecimento das relações sino-colombianas. Apesar de Pequim minimizar a situação, especialistas afirmam que a China está pronta para ampliar sua cooperação e investimentos na América Latina.
Expansão chinesa na região
A influência econômica da China na América Latina tem crescido exponencialmente nas últimas décadas. O país asiático já é o principal parceiro comercial da América do Sul e o segundo maior da região como um todo. Desde 2000, a participação do mercado chinês nas exportações latino-americanas saltou de menos de 2% para mais de 20% atualmente. As projeções indicam que o comércio entre China e América Latina pode ultrapassar US$ 700 bilhões até 2035.
Além do comércio, a China investe fortemente na infraestrutura da região. Projetos como o megaporto no Peru, parte da iniciativa “Nova Rota da Seda”, consolidam o avanço chinês. Atualmente, 22 países da América Latina e Caribe aderiram ao projeto, e a Colômbia estuda seguir o mesmo caminho. Pequim também assinou acordos de livre comércio com Chile, Costa Rica, Equador, Nicarauá e Peru.
No Brasil, a China é o principal parceiro comercial. Em 2023, os dois países assinaram 15 acordos bilaterais avaliados em cerca de US$ 10 bilhões. Pequim busca ainda ampliar sua influência cultural, diplomática e militar na região, fortalecendo sua presença em setores estratégicos.
Política externa de Trump favorece a China
A postura de Donald Trump tem contribuído para que a América Latina busque diversificar suas parcerias. O republicano retirou os EUA de acordos globais, como o Acordo de Paris e a Organização Mundial da Saúde (OMS), reforçando uma postura isolacionista.
Para especialistas, essa instabilidade é um fator que impulsiona a China como uma alternativa confiável. “Com essas atitudes hostis, até mesmo com aliados históricos, Trump está ajudando a política externa chinesa a se expandir ainda mais”, afirma Evandro Carvalho, professor da FGV.
Investimentos e empréstimos chineses
A China também tem ampliado sua presença financeira na América Latina. Em 2023, os investimentos diretos chineses na região somaram US$ 8,7 bilhões, gerando cerca de 26 mil empregos. Pequim ainda está atrás dos EUA e da União Europeia, mas tem avançado em setores estratégicos como energia, telecomunicações e infraestrutura.
O Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação e Importação da China figuram entre os principais credores da região, tendo emprestado mais de US$ 120 bilhões desde 2005. O interesse chinês pode se expandir para outras áreas, como segurança e justiça, à medida que os EUA se afastam da América Latina.
Futuro das relações EUA-China na região
Apesar das disputas, China e EUA mantêm relações comerciais importantes, e qualquer acordo bilateral pode impactar a América Latina. Caso Pequim decida aumentar a importação de soja dos EUA, por exemplo, Brasil e Argentina poderiam ser afetados. A China também pode reduzir sua dependência de matérias-primas latino-americanas, caso as relações com Washington melhorem.
Até o momento, Trump não indicou um plano concreto de negociação com Pequim, mas suas recentes declarações sugerem uma postura mais flexível. No entanto, o republicano também tem colocado a China como um alvo em seus discursos, acusando-a de controlar o Canal do Panamá e ameaçando retomar o controle da rota. Pequim nega qualquer domínio sobre a infraestrutura panamenha.
A disputa geopolítica entre China e EUA deve continuar moldando o futuro da América Latina, que busca equilibrar suas relações e aproveitar as oportunidades econômicas oferecidas por ambas as potências.