Tarifaço busca recuperar a indústria dos EUA frente à Ásia
A recente decisão do governo dos Estados Unidos (EUA) de impor tarifas sobre seus parceiros comerciais representa uma tentativa de revitalizar a indústria americana e combater os déficits comerciais anuais de bens, que somam aproximadamente US$ 1 trilhão. No entanto, especialistas alertam que as tarifas não serão suficientes para reverter a perda de competitividade do setor industrial americano, especialmente para os países asiáticos.
Segundo Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, “a Ásia foi extremamente eficiente em desenvolver políticas industriais e de inovação nas últimas décadas, proporcionando subsídios para avanço tecnológico em países como Vietnã, Malásia, Tailândia, Indonésia, China e Índia”. Ele argumenta que o tarifaço representa “um choque brutal” na economia mundial, comparável apenas às políticas comerciais dos anos 1930.
Impacto global e no Brasil
As tarifas impostas pelo governo Trump variam conforme a região: 10% para a América Latina, 20% para a Europa e 30% para a Ásia, evidenciando que o foco principal da medida é conter a ascensão da indústria asiática. Para Paulo Gala, “a China, através de empresas como a BYD, está desafiando a Tesla e outras montadoras ocidentais, consolidando-se no mercado global de automóveis”.
Nos últimos anos, a participação da indústria americana na produção global caiu de 28,4% em 2001 para 17,4% em 2023, de acordo com dados da Casa Branca. Trump justificou as tarifas afirmando que “os déficits comerciais persistentes levaram ao esvaziamento da base manufatureira dos EUA e inibiram a capacidade de produção doméstica”.
Contudo, analistas apontam que a medida não resolve o alto custo de produção nos EUA, que é até seis vezes maior do que na Ásia. “A média salarial nos EUA é de US$ 5 mil, enquanto na Ásia é de US$ 1 mil, tornando a produção americana muito mais cara”, explica Gala.
Reação do mercado
A imposição de tarifas está causando turbulência nos mercados globais, levando a quedas nas bolsas e adiando decisões empresariais. “Este é o maior choque tarifário desde os anos 1930. Empresas que produzem na China, Vietnã ou Europa agora precisam reavaliar suas estratégias”, observa Gala.
Além disso, as tarifas podem pressionar a inflação nos EUA, encarecendo equipamentos, máquinas, chips, tratores e eletrônicos asiáticos em até 30%.
O argumento da reciprocidade tarifária
O governo Trump justificou as tarifas alegando que muitos países aplicam taxas mais altas sobre produtos americanos do que os EUA impõem sobre seus produtos importados. Como exemplo, citou o etanol, que sofre tarifas de 18% no Brasil e 30% na Indonésia, enquanto os EUA cobram apenas 2,5% sobre o mesmo produto.
Porém, Gala discorda da justificativa, afirmando que “não se trata de tarifas recíprocas, mas de uma imposição unilateral sobre países e produtos que geram déficits comerciais para os EUA”.
Consequências para o Brasil
O Brasil ficou com uma tarifa de 10% sobre suas exportações para os EUA, a menor entre as regiões afetadas. O governo brasileiro pretende recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) para tentar reverter a medida, mas o impacto global da guerra tarifária pode ser inevitável.
“O Brasil pode se beneficiar por não estar entre os mais taxados, mas ainda assim será afetado pelo impacto geral dessa crise comercial”, alertou Gala. Segundo ele, a recessão global resultante pode derrubar juros e câmbio, prejudicando a economia brasileira.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou que os EUA são o principal destino das exportações industriais brasileiras, especialmente produtos de maior valor tecnológico, e líderes em serviços e investimentos bilaterais. Entre as empresas mais afetadas, Gala menciona a Embraer, que depende fortemente do mercado americano. “Talvez a Embraer seja a empresa brasileira mais impactada por essas novas tarifas”, conclui o economista.
Com o aumento das tensões comerciais, resta saber como os países afetados reagirão e se haverá retaliação, aprofundando ainda mais a crise no comércio global.