Imigrantes brasileiros que vivem nos Estados Unidos relatam que estão deixando de ir para o trabalho e evitando levar os filhos às escolas com medo de serem detidos por agentes da imigração. A insegurança gerada pelas recentes operações do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) levou à adoção de estratégias para evitar confrontos com as autoridades.
Medo e Isolamento
Muitos brasileiros em situação irregular afirmam que estão evitando sair de casa, e alguns relatam ter criado redes de comunicação via WhatsApp para alertar sobre movimentações do ICE. Um imigrante que vive na Flórida, e preferiu não se identificar, descreveu o clima de tensão: “Tem dias que dá uma minimizada na polícia, tem dias que é ‘caô’. Está todo mundo com medo. Não tem como andar, está muito complicado e tenso”.
O maior temor, segundo ele, é ser separado dos filhos em caso de deportação. “Se eu for pego, com quem vão ficar as crianças? São poucas as pessoas que a gente conhece”, lamenta.
Impacto na Comunidade
A insegurança tem gerado impactos econômicos e sociais. André Simões, gerente de projetos no Brazilian Worker Center, organização social de Boston, conta que tem recebido pedidos de ajuda financeira. “A maioria dos trabalhos é por hora, e quando as pessoas não vão trabalhar, isso afeta bastante a comunidade”, explica Simões.
Além do medo de sair de casa, as crianças também têm sido afetadas. Uma professora brasileira em Massachusetts relatou que os alunos expressam preocupação com possíveis abordagens do ICE. “Eles perguntam: ‘Se a imigração vier aqui? Se me pararem na hora que eu sair do ônibus da escola? O que vocês vão fazer?’. A gente vê nos olhos das crianças o medo”, relata. Desde a posse de Donald Trump e a implementação das políticas de deportação acelerada, o número de faltas nas escolas cresceu 50%.
Uso de Tecnologia para Monitoramento
Grupos de imigrantes utilizam o WhatsApp para compartilhar alertas em tempo real sobre a presença do ICE. “Tem condomínios inteiros e bairros onde a polícia de imigração tem estado presente. Então, ninguém sai de casa”, destaca Simões.
A Brazilian Worker Center, junto com outras organizações, tem promovido sessões informativas chamadas “conheça seus direitos” para orientar imigrantes sobre como agir em abordagens do ICE. Algumas dessas sessões contam com a presença de advogados e ocorrem em igrejas, escolas e centros comunitários. “Tem vários eventos que eram presenciais e foram remarcados para o modo on-line porque as pessoas estão com medo de sair”, afirma Simões.
A Revogação da Proteção a Locais Sensíveis
Uma mudança recente aumentou ainda mais o receio da comunidade imigrante. O Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) revogou uma diretriz de 2021 que proibia a prisão de imigrantes em locais protegidos, como igrejas, escolas e hospitais. “Isso adicionou mais uma camada de medo para as nossas comunidades”, observa uma socióloga brasileira ligada ao Massachusetts Immigrants and Refugees Advocacy Coalition (MIRA).
A revogação da medida fez com que políticos locais se mobilizassem em apoio à comunidade imigrante. “A prefeita da cidade disse com todas as letras que as escolas estão fechadas para qualquer ação da polícia imigratória”, revelou a socióloga.
Orientação e Defesa Legal
O advogado Antonio Massa Viana, especialista em imigração, alerta que, embora os grupos organizados via aplicativos sejam úteis para manter os imigrantes informados, também podem espalhar pânico desnecessário. “Tem um lado positivo, mas nem tudo é real. Trabalhamos na conscientização para preparar as pessoas, não assustá-las”, afirma.
Viana também aconselha que os imigrantes busquem informações em instituições sérias, lembrando que nem todos estão passíveis de deportação acelerada. “Para algumas categorias de imigrantes, é permitida a apresentação de defesa. Há diferentes formas de contestação dependendo da condição da pessoa no país e de seus vínculos locais”, explica.
Enquanto a situação segue incerta, brasileiros continuam se organizando para lidar com o medo da deportação, tentando equilibrar a busca pela estabilidade com a necessidade de se manterem informados e protegidos.