O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou planos para alterar a política de cidadania por nascimento no país. Ele afirmou que emitirá uma ordem executiva sobre o tema em seu primeiro dia de governo. No entanto, especialistas destacam que a medida enfrenta desafios legais e políticos significativos.
O Contexto da Proposta
Atualmente, qualquer pessoa nascida em território americano é automaticamente considerada cidadã dos Estados Unidos, independentemente da situação migratória dos pais. Essa garantia é assegurada pela 14ª Emenda à Constituição, que declara:
“Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos.”
Trump alega que a prática atrai estrangeiros, especialmente indocumentados e turistas, para terem filhos nos EUA. Ele se refere a esses casos como “bebês-âncora”, argumentando que a cidadania dos filhos pode ser usada posteriormente para regularizar a situação migratória dos pais.
Segundo o Migration Policy Institute, mais de 5 milhões de menores vivem com pais indocumentados nos EUA. Especialistas alertam que a revogação do direito à cidadania por nascimento poderia dobrar o número de indocumentados no país, aumentando de 11 milhões para 24 milhões até 2050.
Os Obstáculos Legais
Juristas apontam que uma ordem executiva não pode modificar a Constituição. Alterações à 14ª Emenda exigem um processo legislativo complexo, incluindo:
- Aprovação por dois terços do Congresso.
- Ratificação por três quartos dos estados.
“Qualquer tentativa de reinterpretar a 14ª Emenda enfrentaria desafios judiciais imediatos”, explica Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional. Ele acrescenta que a Suprema Corte tem um histórico consistente de defender a cidadania por nascimento.
Além disso, remover a cidadania de indivíduos pode violar tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que inclui o direito à nacionalidade como proteção contra apatridia.
Histórico e Debate Político
A cidadania por nascimento, também conhecida como ius soli, é uma prática comum em países colonizados, como os Estados Unidos, Brasil e Canadá. O princípio legal visa construir populações nacionais diversificadas e coesas. Contudo, a tentativa de alterar essa tradição nos EUA não é nova e já encontrou resistência bipartidária no passado.
“Remover a cidadania é um tema politicamente sensível, com ressonâncias históricas preocupantes, como na Alemanha nazista”, relembra Andréia Fressatti Cardoso, doutoranda em Ciência Política pela USP.
Além disso, a medida deve enfrentar oposição no Congresso, incluindo membros do próprio Partido Republicano, que hesitam em apoiar mudanças constitucionais com implicações sociais tão amplas.
Impacto e Reações
Críticos argumentam que a retórica de Trump sobre “bebês-âncora” reforça narrativas anti-imigração e pode intensificar divisões sociais. Por outro lado, defensores afirmam que a medida é necessária para conter abusos do sistema e reforçar a soberania americana.
Especialistas concordam que, mesmo com uma ordem executiva, o debate será prolongado e provavelmente decidido nos tribunais. Até lá, a cidadania por nascimento permanece uma proteção fundamental para milhões de pessoas nascidas nos EUA.